Passeio noturno


Meu celular desperta todos os dias antes do galo cantar, assim que ele toca eu coloco no modo soneca para tentar dormir por mais 15 minutos, essa é a minha tática para iludir o meu organismo, quando o celular toca pela segunda vez eu me levanto e corro pro banheiro, jogo um pouco de água fria no rosto, lavar o rosto em água quente envelhece a pele, logo me lanço no box para tomar uma ducha rápida, em tempos de racionamento até os meus banhos são cronometrados, como eu preciso dessa ducha fria para despertar minha alma e também ativar a circulação do meu corpo.
Fecho a torneira e saiu do chuveiro, no quarto eu começo o primeiro ritual do dia: creme hidratante no corpo inteiro, creme para os pés, creme para o rosto, creme para a região dos olhos, deixo para daqui a pouco o creme para as mãos. Ligo a prancha, enquanto ela esquenta eu visto a lingerie. Então volto para o banheiro e começo o ritual parte dois: passo corretivo no rosto, base, pó compacto, uma sombra média, uma sombra escura que eu esfumaço, passo o iluminador, o delineador, o rímel. Nesse meio tempo paro para verificar se a prancha já esquentou, quase. Retorno pro meu rosto e passo mais uma camada de rímel. Assim que a prancha esquenta eu começo a domar o meu cabelo, depois de um tempo olho no espelho e considero o meu trabalho razoável, passo mais uma camada de rímel e o blush. Corro para o quarto. Vejo que chegaram mensagens no meu Whatsapp.
Visto as meias, a cinta, a camisa, a minha saia lápis que quase não fecha, aqui considero comprar uma cinta menor. Visto o blazer, coloco os sapatos e borrifo perfume pra cima, danço embaixo das gotículas que caem, o objetivo e atrair a atenção e não espantar as pessoas. Pego a minha bolsa, a pasta com o notebook e os documentos, a bolsa térmica e o corredor rumo à cozinha. Meu salto faz barulho ao tocar o piso e eu me recordo que moro num apartamento, tiro os sapatos e entro na cozinha. Abro a o freezer e retiro uma marmita pronta, comer em restaurantes não é um opção muito saudável, gosto de saber a origem e quem fez as minhas refeições. Essa veio do supermercado Varejão.
Abro a minha bolsa térmica e jogo lá dentro a minha salada com no mínimo quatro cores, pego as chaves do apartamento, o celular e corro para o hall. Porém ao trancar a porta sinto o chão frio sob os meus pés e volto para pegar os sapatos que deixei no corredor. Tranco a porta de casa e verifico o meu Whatsapp enquanto espero o elevador chegar. Entro no elevador, no carro, no trânsito e na empresa.
Quando chego à minha mesa ligo o computador, abro as planilhas, o e-mail, um pote de iogurte light sem lactose, ao que me sento na cadeira e devoro o iogurte enquanto verifico mais uma vez as mensagens no Whatsapp.
Enfim passo o dia inteiro sentada respondendo: e-mails, meu chefe, os colegas de trabalho, os clientes, alguns idiotas, e os questionários de desempenho. Vez ou outra, eu consigo rir de uma piada sem graça. Acontece que, não tenho tempo nem de ir ao banheiro, por isso preciso almoçar sobre a mesa e deixo cair um pouco do molho de soja orgânica sobre o teclado. Ok! Poderia ter sido a minha Coca-cola light, dos males o menor.
Quando chego em casa William Bonner me recebe, tiro os sapatos na sala mesmo e a meia calça, me descoloco para a cozinha e abro o freezer para pegar a janta. Volto para a sala ligo o notebook e verifico o meu Whatsapp, vejo uma mensagem do meu namorado dizendo que talvez fosse atrasar. Guardo o jantar no freezer novamente.
Entro no quarto tiro minha saia, o blazer, a camisa e visto um pretinho básico. Amarro o cabelo em um coque displicente e verifico o meu whatsapp novamente, outra mensagem do meu namorado se desculpando, pois não conseguiria sair da agência a tempo de me encontrar. Nos vemos amanhã.
Então, entro no banheiro e jogo água no rosto para despertar, entretanto, só consigo me livrar do visual sou bem sucedida com o demaquilante. Mas, faço uma nova maquiagem e fico com a cara do verão. Vou até a cozinha e bebo um shake. Volto pro quarto e coloco uma sapatilha, pego as chaves, o celular e entro no carro novamente. Sinto que não dirijo e sim desfilo pelas avenidas, como eu preciso desse passeio sob a luz do luar, para abrir caminho e me livrar do que acumulei durante o dia inteiro. Sinto como se fosse explodir tamanha a revolução dentro de mim. Só que não pode ser em qualquer lugar, preciso de um cantinho deserto, afinal algumas coisas não são de utilidade pública, muito menos da conta dos outros.
Finalmente, encontro uma rua deserta e paro o carro, retoco o meu batom e desço do meu veículo. Enquanto arrumo o meu vestido eu olho para os dois lados, pelo lado de fora vejo que recebi mais mensagens no meu celular que está no banco do carona. Ainda parada sobre a calçada eu solto um pum. Como me sinto aliviada. Volto pra dentro do carro e para minha casa, para quem sabe finalmente dormir.

Conto baseado em uma criação de Rubem Fonseca, desenvolvido durante a oficina de criação literária Entre Textos do parque Villa Lobos.

Share this:

ABOUT THE AUTHOR

Sou a Ninfa que trançou as barbas de São Pedro, amarrou os cadarços das botas de Papel Noel, a garota travessa que escondeu o Tridente de Poseidon, e cansada foi dormir sob uma cerejeira ao lado da lebre, que foi deixada pra trás pela tartaruga que andava, depois de um dia criativo.

0 comentários

Tecnologia do Blogger.